leitura de CANTOS TEMPORAIS
Texto de Carlo Benevides
No princípio houve um mar de sombras. O verbo incomodou-se com intramuros — a maldição do Poeta, pois será eterno, e o provocou com versos magros, separando as águas da terra, alagoando o sertão com palavras, curitibando maturidade.
O princípio persegue o Poeta. Ele, cético do medo, decidiu fazer as pazes com o mar em cânticos de tempestades. Temporais de espaço-tempo. Não se rende a proporcionar uma experiência fútil aos leitores. A poesia de Fabio santiago continua a instigar e fazer pensar. Elaborar resquícios de estrelas. Quer abraçá-las em construções poéticas que nos perturbam com delicadezas e nos faz imaginar sensações, personagens e cenários rudes. Não se seduz à tentação do desenvolvimento de uma pretensa “carreira literária”. Diverte-se com o versovício, pois poemas ventam, não se iludam, tal obstinada é a sina autoral dos inconformados, impacientes, apaixonados escribas. Não se apega a tempos, módicos, estranhos, modismos, muito pelo contrário, coloca-os no liquidificador de passos em sua estrada literária, este canto do mar sempre inquieto, afoito e seu, agora, para todo o sempre.
Acompanhando sua estrada, há nítidos saborsismos de Mar de Sombras, seu primeiro livro, nestes Cantos Temporais. As duas obras se conversam. A primeira o libertou das galés de versos engavetados para voltar a provocá-lo neste quarto e mais recente ajuntamento de poemas, voando como pardais, andorinhas ou um águia, em uma liberdade pouco vista aos meus olhos prosadores, apaixonado leitor que sou de poemas que me ensinam a cantar.
Cantos Temporais é sólido. Liberta palavras, as inventa, dobra o tempo e as aprisiona com autoridade libertária nestes poemas que agora estão em suas mãos, carentes de atenta leitura.
Fabio “cerze o céu com faíscas loucas”, “elétricas favas” em “ecos escorridos”, “úteros”, que “retumbam por sobre o chumbo” de poeta cozedor de palavras. Perceberam as aspas? É a coragem de quem não se perde à deriva em temporais no espaço-tempo, pois se compraz e se reproduz em cânticos sem censura. É amante de sua poesia. Eu cantaria os poemas de Fabio Santiago! Cante-os você também. Imagine a melodia. “É sal na língua”, apimentando o desejo que a tempestade nos leve nesta obra inaudita!
Brinda-me depois do primeiro canto, com “Acapulcos Caligaris” com “poes(p)ia fechaduras”. Em “Disforia hotel”, deixa-me “ávido casmurro anafilático sombreado volátil” e “endoidecido” me entrego em “tapetes cor de creme e cadarços desarrumados”. Deixa-me enlouquecer no momento da tua poesia, Fabio/Sábio — saberá encaminhar o leitor longe da “peste” para continuarmos “vivendo em transe frenético”, sempre quando lemos a bendita maldição do tamanho autor-oralidade, singular em tudo que nos presenteia em versos.
E que absurda é a poesia de Fabio Santiago, que ainda nos liberta da ansiedade com mais 29 poemas, em sequência, depois de nos brindar com toda a força do versovício revisitado nos 3 primeiros.
No último poema, “Suíte em dor maior”, o Poeta me diz baixinho que não preciso me esforçar para tentar prefaciar sua obra. Ele já a traduz nestes versos: São “bailes psicotropicais / dançam ecos temporais / cantam para o vagar do tempo resfolegante / são o que sonham ser.” Prefaciar uma obra de Fabio Santiago é cantar seu canto em calmaria de ondas e sinfonia em finales allegros retumbantes.
O Poeta gentilmente deixa-nos sonhar na inquieta fluidez dos temporais.
Cantemos. Deixe a pletora nos confundir e abraçar nossos sentidos, todos eles, neste deslumbramento de sabores e temperos, cânticos de contradança em tempo de “poeira cintilante, douradinha, rumo à jangada do mar” a nos levar, ávidos, para o temporal de Fabio Santiago.
Não nos iludamos mais! O velado cerrado desnudou-se! Cantos Temporais sempre estiveram sussurrados em nossos ouvidos. Só não os tínhamos percebido ainda. E agora, libertos em grata e contraditória nudez pelo Poeta dito hermético, felizmente, teremos grata oportunidade de vê-lo desfilar diante nossos olhos e têmporas, do enigmático à fluida simplicidade que apenas aos poetas maduros cabem.
Salve poesia que esculhamba de alegria nossa coragem de leitor! Segure minha mão e não se perca por aí. Respire. O barco o levará seguro, e você, refestelado de versos corajosos, navegará sem medo ou receios, de braços abertos em tempos temporais e dirá: Ave sempre verso, canta!
Carlo Benevides
“Cronista de prefácios”
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